"Rerum Cognoscere Causas"
aber a origem das coisas, é natural desejo que a todos toma o ânimo, e quando, de simples curiosidade, esse desejo sobe à análise atenta das mesmas origens para estudo do tempo presente e se investiga o passado para explicação de factos actuais, o conhecimento da vida que lá vai, constituída pela acção das vidas extintas de que proviemos e determinada por elas, adquire os foros não só de um intenso prazer intelectual senão de uma verdadeira ciência que nos distrai, estimula e satisfaz.
As
nossas recordações prolongam-se pelo tempo e espaço, adquire-se um passado mais
vasto e achamos na vida dos nossos maiores um prolongamento da nossa. É uma
revivescência de mil coisas extintas, um criar de novos seres e de novos
mundos, num complemento de nós mesmos. Averiguar das existências findas,
recompô-las, fazer mover as figuras, formar cenas e quadros é a missão natural
do genealogista na acepção exacta do termo; e esse seu trabalho, desacreditado
outrora com o delírio do invencionismo fradesco mas hoje reabilitado à luz da
moderna ciência histórica, é dos melhores auxiliares da arqueologia dos
costumes, quase elemento indispensável para quem quiser forragear em arquivos e
bibliotecas qualquer troço da nossa história que, sendo a soma de todos os
factores que nela influíram, não é mais do que a vida dos personagens que a
realizaram.
Um
caderno de apontamentos familiares, resenha de factos, relatório de datas,
amontoado de notas íntimas, é sempre um grande capital que se acumula e que
há-de produzir, feito lição, exemplo e estímulo, proveitosos juros para os
filhos nas consolações morais que dele lhe advirão, acumulados, quiçá, de
geração em geração, frutificando sempre e dando largas colheitas de recordações
e de saudades aos que de nós vierem perpetuando o nosso nome, o nosso carácter
e a nossa maneira de ser.
Quem,
alheando-se do passado e não cuidando do futuro, deixar de estabelecer consigo
próprio, a ligação entre o que acabou e o que vai começar, passa na vida sem
razão de ser, deixou de exercer a sua função, apaga-se e perde-se. Foi um
elemento nulo. Deixar aos filhos a história dos pais, guardar para os netos a
memória dos avós, é fixar-se na lembrança dos seus, o que equivale a sobreviver
à sua mesma vida.
VALE.
GUSTAVO DE MATOS SEQUEIRA
*Prólogo escrito nos anos 30 do século XX, a
pedido de António Fernando de Sequeira Sottomayor para o seu trabalho
“Apontamentos Genealógicos”.
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