Em Março de 1940, houve festa rija no número 140 da Estrada de Benfica. Celebravam-se alegremente e em família, as bodas de prata de Pedro Germano de Sequeira Sotomayor e Nanete Ferreira.
Além dos filhos, estiveram presentes a irmã Maria Teresa (Quéqué) e o cunhado Mario Neuparth, acompanhados da sua prole, assim como o sobrinho Agostinho Pedro (meu pai) que então se hospedava em casa destes tios, na Rua do Sol ao Rato, em Lisboa; também concorreram ao evento, o amigo e colega de trabalho Jorge Arbués Moreira, a par do noivo da filha mais velha do casal, João Vaz Vieira.
Não estava a família completa, pela ausência do clã do irmão António, então juiz em Vila Viçosa, e naturalmente impossibilitado de comparecer, num tempo de viagens onerosas e difíceis; representava-se, de qualquer forma, com a presença de Agostinho Pedro, o mais velho dos sete sobrinhos desse lado.
Sem veia poética de maior, quis assim mesmo Pedro Germano obsequiar os presentes, parodiando-lhes em verso certas facetas, as quais, decorridos 75 anos, podemos recordar ou conhecer, graças ao labor da filha Henriqueta que os registou para oferecer aos tios e primos, ausentes no Alentejo.
Melhor versejador, Jorge Arbués Moreira também juntou o seu quinhão que Henriqueta também não esqueceu.
Aqui fica o resultado; indigno talvez da mais elevada tradição poética nacional, mas capaz, ainda hoje, de assegurar inegável "cheirinho" a algo familiar!
João Vaz Vieira (noivo de Henriqueta):
Entre as coisas extraordinárias
Que estão para acontecer
Muitas festas centenárias
Que começam a correr:
É que o João já desistiu
De ser das Corporativas
E agora mesmo pediu
Por variados motivos
Que já nomeado seja
Açafata ou camareira
Da moderna D. Tareja
Dona Maria Ferreira!
Há muita gente que pensa
Em comer atum Tenório
Conheço um que só sonha
Com o dia do seu casório.
Jorge Arbués Moreira (amigo e colega):
Do Sporting sou, com favor
E com entusiasmo louco;
No boxe sou um primor
E vencerei sem temor,
Num só combate de soco
Muitos milhares de colegas
Do sexo frágil, é de ver,
Que comigo andem às pegas
Ou lembrem de se meter.
De tal provas tenho autógrafas
Pois de vencer tenho intento
Mais de cem mil dactilografas
De Águas e Saneamento.
Colegas tão admiráveis
Só numa repartição
Onde ensinam a coser meia
E tricot na perfeição.
Henriqueta (23 anos):
Tá lá? É do “Notícias” que fala?
Está lá o senhor ministro?
Não está? Ó quanto me rala
Para mim é um caso sinistro
Tá lá? É a prima Emília?
Quem fala, é o doutor Augusto?
Não está? Ó eu e a família
Queremos vê-lo a todo o custo!
Do Conselho de Seguros?
O Dr. Augusto Castro?
Não está? Estou em apuros!
E não deixou qualquer rastro?
Tá lá? Dê-me p’ra Belém!
Está o Dr.? Ora ainda bem!
Está? O Primo? Como passou?
A Isabel já regressou?
Como sagaz e astuto
E como sábio profundo
Diga-me a hora, o minuto
E até o próprio segundo
Em que o meu querido João
Terá a nomeação:
O quê? Não sabe? Ora bolas!
Já não me sai do toutiço
Que o maroto do meu pai
Não tem interesse por isso!
Tem mil para cada gosto
E um com todas as cores
Limpar do mundo a poeira
Com um milhão de espanadores.
Agostinho Luís (20 anos):
Eu ando muito fraquinho
Tenho falta de apetite
Devo ter uma gastrite
Ou doença de toucinho.
Queijos da Serra só três
Perfazem meu alimento
E como de cada vez
De pastéis mais de que um cento.
Eu ando mesmo na espinha
Sem apetite, sem nada
Vou fazer uma mezinha
De magnésia Bisurada.
A dormir é formidável
E a comer é campeão
Por gostar tanto do Porto
Deixou lá o coração.
Lálá (17 anos):
Tenho corrido este mundo
Viajando em profusão
Senti um prazer profundo
De ir à Pérsia e ao Japão.
Fui a Mazulipatão
Fui ao Chile e ao Perú
Até fui a Holiu
Ver as estrelas de cinema.
Vi Portugal todo inteiro
Vi a Roliça e Vimeiro
A Salvaterra da Extrema,
A serra do Caldeirão
E na Póvoa ouvi as roucas
E só não pude ir a Troucas
Por não ter ocasião.
É capaz de ver cinema
Até lhe doer a vista
Quando põe uma mantilha
Também sabe ser fadista.
Mariana (15 anos):
Esta menina simpática
Distintissima estudante
É tão grande matemática
Que conseguiu, num instante,
Pela forma mais brilhante
E mais desacostumada
E com o melhor resultado
Extrair a raiz quadrada
A um dente cariado.
Mas (coisa portentosa
Que até me traz estúpido!)
Sendo assim toda formosa
Para encontrar um marido
Mesmo reles e lambido
Corre todo Portugal
E vai a Vila Viçosa!
Nem o Borginhas lhe vale!
Os quadros de honra são à bicha
Mais que os trouxas por quem chora
E é tão linda e tão formosa
Que toda a gente a namora.
Pedro (13 anos):
Se não souber a lição
Isso não me prejudica.
A verdadeira questão
É, na minha opinião,
A derrota do Benfica.
Mas chegando ao fim do ano
Hei-de tremer como um vime
Porque os meus professores
Sapientíssimos Doutores
Formam um valente “team”
E receio com razão
(Porque eles não são tolos)
Que reconheça afinal
Eu não ficar campeão
E no exame final
Me ponham a zero “golos”.
É número par lá na escola
Uma menina que eu sei
Todos lhe chamam Fenicha
Mas eu mais nada direi.
João (11 anos):
Dou-te um murro que te racho!
Tenho força como um burro!
Deito cem tipos abaixo
Com o esforço dum só murro!
No colégio só trabalho
Em combates dos de estucha
Té o sôr padre Carvalho
Já viu comigo uma bruxa!
Sou forte como Sansão
Ter músculos é minha sina
Sustento só numa mão
A sôr Dona Zeferina.
Sou valente, sou herói
Sou teso, enfim, sou tudo,
Tenho força como um boi,
Sou um Hércules… miúdo!
……………………………
Afinal
houve-se um barulho
Como que alguém a gemer
- Mamã, acuda depressa
Que a França quer-me bater!
É o mais teso de todos
Este valente rapaz
A jogar contra o Benfica
Meteu todos num cabaz.
Mimi (9 anos):
Comprei há pouco uma sina
Que chegava à conclusão
Que se uma certa menina
(Que eu sei) aprender a ler
É tão grande a sensação,
Que poderá suceder
Uma grande revolução.
Que o Hitler vença a Inglaterra
Que a Alemanha beije a França
Que a Itália entre na dança
Ou então que acabe a guerra.
O 121 que é capicua
Conversa muito a meu ver
A linda menina vai corar
Por eu o estar a dizer.
França (6 anos):
Tenho um génio de marca
E dou a minha dentada;
De todos sou muito amiga
Mas quando o lençol se encharca
Por todos sou alcunhada
Trebizonda duma figa
Não como, não tenho fome
(Não sei sequer se o conte)
Também me deram o nome
De D. Maria da Fonte.
Um ano levo a jantar
Vim duma terra remota
Passam-me agora a chamar
Padeira de Aljubarrota!
Para ajudar a mamã
Na sua lida caseira
Depois de lavar a louça
Até já é lavadeira.
António (5 anos):
Eu cá sou mau como as cobras
É um ditado já feito
E desfaço as minhas obras
Com tudo o que apanho a jeito.
Parto pratos, parto vidros
Racho portas, quebro armários!
Não tendo mais que partir
Até resolvi ferir
As caras dos operários.
E por isso é que se diz
Aí por todo o país
Que passo os dias e noites
(Como sou um mau petiz)
A levar grandes açoites.
Há obras por toda a parte
Anda tudo embaraçado
Só quem está nas sete quintas
É o senhor encarregado.
Agostinho Pedro (15 anos):
Quero ser aviador
Audaz, heróico, discreto,
Mostrando muito valor
Primeiro piloto preto!
Os desastres não receio
(Sem sombra de disparate)
Pois eu todas remedeio
Com a ferramenta que veio
Nas perninhas de alicate.
Não receio um trambolhão
Que causar-me mal não pode,
Pois chegando ao meio do chão
Faço cama do bigode.
Com nome maior de um rei
E é soba coitadinho
De tanto viver no sertão
Até já se fez coradinho.
Lailicas (17 anos):
Desde que estudo o latim
Na mente esta ideia pus:
“Este mundo é todo assim,
Todos têm a sua cruz”.
Desta cruz que me consome
Pouco ou nada sei anda
É cruz que não sei se a tome
Esta cruz é “Deolinda”!
Fico às vezes a pensar
Numa coisa desvairada
É caso p’ra lastimar
Que a cruz que estou a falar
Não seja antes a criada!
Quero ser ginasta e atleta
Com músculos de ferro e aço
Para meter o liceu
Todo debaixo do braço.
Teresa (15 anos):
Duma notícia formal
Dum casamento elegante,
Publicada num jornal:
- Realizou-se há um instante
Enlace matrimonial
De D. Teresa, galante
Filha sobrenatural
De D. Cândido de Carvalho,
(De estirpe muito altaneira)
E de sua esposa, dona
Manuela Cerejeira.
O noivo muito prendado
Fadado a grande destino
Tem o nome mutilado
É só fãs, perdeu o tino.
Deu-lhe os presentes que vimos
Só nesta lista incluímos:
Do noivo à noiva, uma saca
De arroz seco, de primeira
Da noiva ao noivo, uma vaca
De boa raça leiteira
E um fardo de bacalhau
Dos pais da noiva, p’rós dois
Muita farinha de pau
Um saco do colorau
De sardinhas vinte latas
Duas sacas de feijão
E mais outras com batatas
E um quilo de macarrão.
Finda que foi a cerimónia
Os noivos em romaria
Passam a lua de mel
Na sua mercearia.
D. Cândida que amorzinho
Nunca houve outra igual
Já tinha casado com ela
Se eu não fosse Cardeal.
Júlio (14 anos):
Eu serei o fundador
Dum clube extraordinário
De que serei o autor
Quando for p’ró Seminário
Serei sempre vencedor
Naquelas medonhas liças
Se os parceiros não são moles
Vencerei por vinte missas
Contra três ou quatro “goals”.
Só tenho certo receio
Que me quebra as valentias
É levar num olho, em cheio
O "goal" que levei há dias.
Dizem que é musculado
Como um antigo gaulês
Eu só conheço um magriço
Que canta de tirolês.
Luís (12 anos):
É um bonito rapaz
É um formoso petiz
Na formusura é um ás
E até no nome: Luís.
O fato, ao espelho, compôs
E faz os seus rapapés
Limpa-se e mira-se após
Da cabeça até aos pés
Não se sente um infeliz
E vai mesmo de pés nus
Mirar o próprio nariz
E pôr ao espelho o capuz.
Quando à rua vai fardado
Até parece um pimpão
Há meninas que já dizem
Ser um grande toleirão.
Conceição (10 anos):
Tenho estudado a valer
E na Escola sou um ás
Tenho muito que aprender
E’inda todos hão-de ver
Do que eu serei capaz.
E se estou a trabalhar
Com afinco e valentia
É p’ró curso terminar
Pois quero-me depois formar
Doutora em Salsicharia.
Tem miminhos e por isso
Ás vezes é peganhenta
E a chorar é tal e qual
A velhinha rabugenta.
Nuno (9 anos):
Sou um grande jogador
De foot-ball sei a fundo
Podem correr todo o mundo
Que não encontram melhor
Nem como baixo profundo!
Nem o Mourão, o Azevedo
Nem o próprio Peiroteo
Para o jogo tem mais dedo
Ou dá um goal como eu.
D. Nuno de D. João
Foi um guerreiro notável
Mas eu sou mais: campeão
E no Sporting condestável!
É todo sportinguista
Mesmo de alma e coração
Por ter a voz trovante
Vê-se logo que é leão.
José (7 anos):
Se as calças me vão tirar
E eu ficar todo nu
Começo logo a chorar
Por ter mostrado o tutu
Tenho pois obrigação
De portar-me sempre bem
P’ra não ter razão
De o ter de mostrar a alguém…
Para não fazer maldades
E andar muito quietinho
É preciso sempre lembrar-lhe
Que tem o bispo por padrinho.
Bernardo (4 anos):
Eu sou um grande cantor
E, sem sombra de vaidade
Espero ser um tenor
Maior que o Tomás Alcaide
(não rima, mas é verdade)
Cantarei de noite e dia
Sempre, sempre, sem detença
A não ser que haja avaria
Ou o vizinho de baixo
Me atire com algum tacho
Ou não dê disso licença.
Já teve tantos contratos
Que deu a volta a Portugal
Mas que sorte para quem tem
A voz d’oiro e de cristal.
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